Será bafo ou será brisa? É bafo. Estamos no inverno, em teoria. Em teoria. Em teoria cada vez me significa menos. Mais vontade de dinamitar o que surge como certo. Faz tanta falta, o que é certo, o que é seguro. Faz falta o proibido. Ainda hoje se falou nisso, falou o Italo Calvino. E na voz dele, na voz que imagino sua, sobrepondo palavras e páginas, desço a via Po. Impossível esquecer Via Po. Croissant com nutella, cafe com leite, mochila redonda de casaco tatu, vozes cochichadas e gritos ao longe, é por aqui, estamos aqui, vem. Um italiano que me pára na rua: portuguesa? Por favor diz-me Tristeza. Tristeza. Uma lágrima corre-lhe descarada. Repete! Tristeza. E ele parado, olhando para mim. Rio. Não posso dizer tristeza agora. O elétrico vindo, um som que especifico permanece na memória e não vem.
Senta-se a meu lado o cheiro a mofo. Quero descer na estação da luz, você sabe como faz? Outro responde. Cores. Você não é de cá? Ninguém é de cá, menos ainda daqui. Minas, sul, queijo a 6 reais. Você? Minas, sul, minha mãe que faz. O do norte, tinha sete meses quando veio. O do sul era maior, não precisa. Fui mês passado, diz o do sul, que cheira a mofo, que sentado a meu lado apertado mostra os músculos e o cabelo ronaldinho, fui mês passado, minha avó tinha 106 anos, caiu, bateu cabeça morreu. Sessenta e seis? Não, cento e seis, tava toda boa, da cabeça e tudo. Caiu bateu cabeça foi a enterrar, meu irmão que vive lá, policia, veio embora, desgostou-se.
Desgostou-se.
Foi embora.
Mesmo o quilo de queijo sair grátis, a mãe fazendo tudo, ele que sim é policia (sim, que é?) .
Desgostou-se.
Fecho a janela e a brisa quente, que tem nome de bafo, e fica fresco aqui.