Cosmo II

Quem ele era, esse desenho do acaso, crescia. A gota acariciada, contava-lhe quanto tempo faltava para ser dia, noite, primavera ou inverno. Via sobre esse azul e esse vermelho a unha crescer e desaparecer, os meses que tentou não a roer, nem a mordiscar. Viu o fracasso na ponta do dedo, coberto por cola que ficara em suas mãos depois de ajudar o tio na carpintaria. Via os sonhos aparecer e desaparecer, rompendo a tinta, estalando a pintura, oxidando o vermelho, enferrujando os dias. Viu na gota empurrada, o pai, à sua frente, com o capacete recém comprado. Primeiro para ele mesmo, depois para Cosmo, o filho que lhe segurava o estômago arrepiado enquanto cruzava a cidade para enfrentar a vida.

Detrás do plástico escuro, conhecia-lhe os pensamentos. Dias em que estava mais cansado, a cabeça pesava-lhe, a nuca pedia a liberdade que ele desconhecia. Dias melhores, o plástico negro mostrava pescoço. Dinheiro que entrava mostrava o ombro, dinheiro que saia a omoplata.

Assim foi até que o pai se foi. Reviu no caixão a cara esquecida.

A mota foi desmontada pouco depois. Café da manhã de carburador, almoço de motor, janta de tubo de escape. A mãe chorando de pés gastos em terra húmida. A mãe embalando-se em mãos fechadas, peladas de tanto cortar chuchu. O que ela chorava ele nunca soube. Os gemidos envergonhados uma vez por semana? O abraço na cintura quando a feijoada ficava gostosa? O beijo na ponta do nariz, quando chegava com um novo filho? Ou a vida que se lhe previa mais escura que céu de tempestade? Perdido o deus avermelhado. Perdido o marido. Perdido o rato e a feijoada.

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