Ana Maria

O café puro, forte, chamava-a para a cozinha. Tinha gosto de trégua, de carinho. A avó acostumara-a assim e a mãe não suportava nenhum hábito desses dias, excepto esse. No café escuro, passado só para ela, a avó voltava de Pernambuco para a abraçar, a afagar e lhe recordar os joelhos esfolados, os fios de manga entre os dentes entrançando os dias.

E a mãe deixava, perdoava-a por essas saudades dessa avó de nariz abatado e olho puxado, sumido na bochecha gorda e escura.

Para a mãe aqueles haviam sido os piores anos. Deixar Ana Maria e Mariana aos cuidados da sua mãe para vir para São Paulo, limpar privada pública e vidros que faziam coceira às nuvens. O pai deixara-as por uma loira verdadeira. Coisa que doía demais à mãe, pelo incómodo de ser ver sozinha, pela bofetada em sua vaidade de loira de mentirinha. A loira de verdade talvez nem nunca soube que seus fios doirados enforcaram a felicidade de três mulheres, que sua pele branca se fez noites em branco para três mulheres. Quatro até, que a avó tudo vira e de tudo se doera.

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