Três ondas, um tijolo, um homem

O homem estava de branco. De verão. De festa de casamento na praia. De propósito. Ele estava de branco porque queria estar de branco, comprara a camisa, o calção. Tinha finalidade. Motivo.

O Homem levou o tijolo.

Roubara ao tijolo. É feio dizer. Mas ninguém compra tijolo à unidade.

Um a mais, um a menos, pensou, o prédio invadirá a calçada, a calçada, apertada, fará dieta, a estrada incómoda com os movimentos coceguendos das pedras brancas, gastas de pés apressados, retrucará com um forte inspirar. A estrada tomará espaço.

Ele queria tirar esse espaço, alfinetar a bochecha inflada do betão, do concreto, do cinzento.

Combinara com a namorada e o irmão da namorada. Mundo artístico está tudo à mão, namorada modelo e fotógrafa, irmão arquiteto, desenhista, ator nas horas livres.

Era tudo o que o homem de branco sempre quisera. Dizer as coisas de forma diferente. Escrever a branco em folhas pretas, times old greek.

Onze da manhã, praia da Caparica.

Ondeando, devagar, quase transparente.

No chão areias cansadas de sucesso. Queriam ser esquecidas, demorarem-se na mesma posição, colher conchas, búzios e vidros de mini, gestar um rumor, um roçar, fragmentar-se com tempo.

Impossível, ali chegavam aos centenares, aos milhares, para se estenderem ou respirarem fundo.

Estes eram de outro estilo, também frequente. Reviravam areia para revirar marés.

Instalaram-se.

Entrou na água com os calções brancos, que sedentos se colaram à perna, e uma crosta amolecida doeu-se de sal.

O Homem pensou que atiraria o quadrado à água, pensou que atiraria alto, com força, potência. Pensou que isso era um grito: afunda-te! submerge-te!desaparece!

Ardendo-se de luz inesperada, reuniu forças, lançou, impulsionando com os cotovelos, para baixo, forte, delicado, pedindo desculpa ao tijolo roubado que certamente afundaria. Vinha uma onda maior.

Queria que caísse naquela, docemente engolido pela natureza.Cegou-se por um momento de reflexo.

Quis ser peixe. Queria ser peixe. Quero ser peixe.

O tijolo caiu anónimo, na onda sem nome, e a fotografia tirada mostrou que o Homem, afinal nem tinha tanta força, que o branco estava húmido, que a onda era pequena, e que o olhar do Homem, estava noutro lugar.

O pé ficou na areia, movediça, engolia-o devagar, o sol bebera a casca da ferida, subia arrepiando os pelos. Os braços, secos ainda, estendidos, ainda.

O Homem queria ser peixe.

A onda maior veio, tocou-o sem derrubar.

Era tarde, já havia escolhido ser árvore. Antes, muito antes.

Plantara-se em raizes de pedra, abanar só na trovoada.

Ser peixe, não podia ser.

 

 

(inspirado numa foto, existente, mas não sei o autor)

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