Uma criança escuta uma metáfora e interpreta uma coisa diferente- exercício de hoje na escrevedeira. Inspirado no Tomás e a sua leitura do conto Pedro e a Lua, de Odilon Moraes

O Pedro tinha uma tartaruga de estimação. Tropeçou nela e ela ficou arrependida, pediu desculpa, ficou amiga. Foi amiga a pedra. Foi amigo o Pedro. Aceitou as desculpas. Depois a pedra mexeu-se e era um bicho, que tem costas de pedra e anda devagar. Uma pedra rara, chamada tartaruga. Depois o Pedro tropeçou na tartaruga, que era amiga, que pedia desculpas, mas estava sempre no meio do caminho. A culpa era dele. Ele não tinha cabeça. Ele guardou muito ar dentro e depois plof e a cabeça voou, ficou no céu e o pai do Pedro não tinha força para o fazer voar e pegar a cabeça que estava no céu e que o Pedro não via, por isso tropeçava na pedra, que andava e era amiga, e pedia desculpa. Não sei onde estava a mãe do Pedro. A mãe do Pedro foi buscar uma fita, sem elástico, para pescar a cabeça do Pedro, mas ela não quer, porque ela gosta da lua e a lua não gosta do sol, porque só vem quando ele não está. A minha cabeça estragou-se, não descola, humpf, humpf, a minha mãe diz que é assim mesmo, o Pedro é que tem uma cabeça especial, espacial, por isso ele não tem um cão como o Bitoque, em casa, mas essa pedra que é amiga, que ele tropeça, e pede desculpa.

Brincadeira, por favor descobrir de que se fala e quem fala…

Os areais macios, repletos de bandeiras vermelhas, azuis, verdes, amarelas, de postos de vigia, motos, jovens bronzeados.

Uma paz!

Quem chega, estende a toalha, reflecte brevemente sobre as tonalidades de azul, pega no livro que a mãe ofereceu no natal anterior e dispõe-se a descansar. As ondas, os gritos das mães, as risadas, os ricochetes de toalhas cheias de areia fina. Tudo aquilo nos embala, me embala, me embalava. Me adormecia. Quando começou algo inexplicável:

Uma onda sobre a areia, um grito grave, duro, arrancado ao céu da boca, seguido de duas sequências de palmas.

Um só homem gritava e a praia inteira aplaudia, certeira, uma palma, outra palma, um grito longo.

Ninguém se levantou, ninguém ligou para as urgências, os bombeiros, salva vidas, ninguém sequer levantou o olhar.

As cartas dispunham-se sobre as toalhas, os pêssegos escorriam sobre os beiços e tudo parava de novo para aplaudir, tap, tap, o grito, tap, tap, o grito! E o grito como avalanche, percorria a praia, de ponta a ponta, e regressava.

Como uma onda no estádio, sabe? Como num concerto. Mas absolutamente despido de urgência, de emoção, de afecto.

Tudo aquilo me assustou Frederika, me assustou como uma morte, minha, eminente. Um ajuste de contas por um crime que desconhecia, uma dívida que sangrava, uma boca pontiaguda no fim de um jejum.

Não volto Frederika.

Lá, não volto nunca mais.

Exercício do dia (Na escrevedeira) Juntar “bater pé no chão” enquanto “toma banho”

A amiga deixa a espuma diluída passar pelos dedos dos pés, pelo calcanhar, pela cinta fininha da havaiana. Oh, é um festival, o que esperavas? Mergulha, coxeia. Isto é pouco higiénico, muito pouco higiénico. Salta, afunda. Ah, nem penses nisso! Mergulha na ria comum, duas vezes e pesca-o escaldado. Não gosto, não gosto. Porque não trouxeste chinelos? Pensei…pensei que ia ser balneário. Afoga-o, resgata-o. Sete duches seguidos, as havaianas conquistaram o mercado, excepto ela. Se quiseres, empresto-te as minhas. O pé direito escalda-se, regressa, aprisiona o joelho esquerdo. A água está fria, é um instante! Sim, é rapidinho, é rapidinho. O pé grita, esbraceja, agride a água suja. Não sabia, (e ele mergulha) não sabia.

De todos os fogos…só alguns

Warwick era assim…

Manda-a calar, por favor, Homem-sem-nome!

Incendiário! Não do estilo piromaníaco, essas banalidades não eram dignas de suas escamas.

Ah não?

Manda-a calar Homem-sem-nome, manda-a calar…

Por favor, caro Warwick insisto que dirija todas as queixas ao sindicato, fui contratada para um serviço, não pretendo abandonar o trabalho em andamento.

Você é péssima como narradora. Diga a verdade, diga, a quem fez favores?

Por favor, mano, deixa-a narrar.

Prossiga, prossiga caro almoço de quarta-feira.

Incendiário. Há dois tipos de relações com o fogo: a de gozo, e a de desentendimento. Warwick ateia fogos com a caixa completa dos fósforos, a gasolina embebida de pano, soprando a plenos pulmões e depois disfruta, disfruta do som das chamas.

E o outro tipo cara dona narradora de meia missa?

O outro tipo, bom, desculpe caro empregador…

Como?

Que me desculpe. Por adiantado.

Prossiga lá naquinho de novilho.

O outro tipo, o do desentendimento…seria o caso do Homem-sem-nome, rega o terreno a gasolina, e forra-o a lupas, a caruma, e a pinha. Espera o verão.

Como?

Prossiga prossiga minha cara, quem fala assim ainda tem oxigénio.

E depois, depois,  chora a mala sorte, repete em voz alta que só a si lhe acontece, bom, logo a ele, que não pretende jamais, causar a menor fricção entre os elementos.

Como?

Desculpe.

Ora aí está, uma conceito revolucionário!