exercício escrevedeira

 

Noemi pediu para escrevermos: alguém, sem usar nomes, espera um uber. Linguagem simples e quotidiana.  Aqui vai:

Três toques, bem longe. Pode falar. Oi, tou à sua espera, demora muito? Ele tosse. Tou no semáforo. Não gostou da pergunta. Qual semáforo? Tá ficando verde, vou avançar agora. Certo, mas qual semáforo? Já estou quase, não cancele a corrida que eu chego já. Ok. Desligo. Ele tá longe, o semáforo mais próximo é o da rotunda. Talvez ele esteja nesse. Talvez estivesse no aeroporto esperando um passageiro melhor. No mini-preço, do outro lado da rua, uma velhota abraça uma garrafa de cândida, tem uma carteira dessas que faz barulho de molhos de chaves e moedas. O aplicativo diz que está a quatro minutos. A quatro minutos não há semáforos, é a circular. Ligo de novo. Já caiu o verde? Como? Do semáforo? Ah é, tive que parar para pôr gasolina. Você desculpe, mas estou a atrasar-me, vou cancelar corrida. Não, não, já tou entrando no carro de novo. Em que gasolineira você está?Tou pertinho, bem pertinho. Você estava no aeroporto? Não, não. A cândida da velhota caiu no chão. Molhou os pés, a saia, as mãos e a carteira que tilinta. Ela ficou quieta. Não sabe que fazer. Você sabe o que fazer? Para chegar?o wase diz. Então eu espero.

Borderline

Você é borderline!

Santinho!

Não, você é borderline.

Ah. Que é isso?

Que perdeu alguém precioso na sua infância.

Ah. Você não?

Eu não sou borderline.

Quem disse?

 

Foi para casa. A pessoa dizia que era borderline, que tinha lido e googleado e até estudado com o filho. O filho tinha estudado ainda mais, porque era médico psiquiatra. Via muitos borderlines. A pessoa estudara com o filho. Para o acompanhar. Café, torrada e ouvido para recitares de dsm. E tinha google. Reconhecia facilmente um borderline.

Pensou naquilo. Passava na passadeira. Cruzava só no verde. Não usava via verde porque lhe dava nervos o passa-a-cem, passa-a-sessenta. Ia pouco à praia porque a areia perto da água lhe machucava os pés. Tinha razão a pessoa. Ele era borderline porque não cruzava linhas de animo leve.

Voltou.

Tem razão. Sou borderline.

Pois tenho, sei que tenho. Você é louco.

Devo ser.

Pois, é.

 

Voltou para casa. Pensou naquilo. Não se sentia louco. Mas também não se sentira borderline. Tinha o termómetro avariado. O que podia fazer com a sua borderlinice?

Olhou pela janela. Uma velhinha empurrava um carrinho de compra, perdera a roda e agora olhava o carro e não sabia como ia dali até ao mercado ou até sua casa. Uma roda, as vezes, é muita coisa.

Desceu.

Precisa de ajuda?

Preciso filhinho.

Devo só avisar, que sou borderline.

Não falo inglês querido.

Então não há problema.

Levantou o carro, que estava vazio. A loja das bicicletas, era já ali, eles saberiam que fazer.

A velhota que não falava inglês, e o homem borderline entraram na bicicletaria.

Sou borderline, esta senhora não fala inglês. Pode ajudar-nos com esta roda?

Eu sou bi-polar, posso.

O que é ser bipolar? Ele perguntou.

Se calhar tem duas mamas, disse a velhota.

Exercício escrevedeiro de hoje

Boa tarde, o que se passou com a senhora? Foi a minha vizinha que os chamou, o meu neto também é enfermeiro. E o que aconteceu? O cão latiu e ela veio ver o que se passava. Mas consigo, o que aconteceu? Sabe que os cachorros escorregam quando o piso é encerado? Sim. Foi o que eu disse à menina Lurdes, que é nova lá em casa, eu disse-lhe, os cachorros escorregam e se eu escorregar e torcer o pé, é o fim da macacada porque não vale a pena operar o joanete, foi a Tininha minha podóloga que me disse. Você escorregou no chão encerado, foi? Não querido, o cão escorregou no chão encerado, eu tropecei nele, e agora, o meu joanete? Dona Adelaide, você partiu foi a bacia.