O homem não estava. Só o cão. Havia outro homem, gasto. Podia ser o primeiro homem se tivesse viajado no tempo e mudado a camisa. Era verde seca. Militar. O cão varria a esquina. As manchas brancas pareciam peladas, ao longe. Este homem não tinha medo do cão e por isso alçava as pernas e fintava-o. A porta automática, abria devagar, incompleta. Dentro do café o chão de mármore, pintalgado. Papéis rijos cobriam o chão, aqui e ali migalhas de croquete e jornais amarrotados. Saiu no estadão que o Mandelstam casou com a Nadejda quando ela tinha nove anos. Diz também que ela estava num cabaret. A Noemi diz que não, que tinha dezanove, que é um engano horrível. O Mandelstam uma vez, a Noemi contou-me, apaixonou-se por um tapete que era muito muito caro. Eles mal tinham para comer. Mas o tapete e ele estavam apaixonados. A Nadejda não, ela estava apaixonada por ele. Eles ficaram sem comer para comprar o tapete. Enquanto esperavam o tapete podiam ter passado ali, na esquina onde está o cão. Pelas portas de vidro podiam ver os bolos de arroz, endurecidos de açúcar, a publicidade da Compal. Pensariam no seu tapete. O cão talvez lhes ladrasse, porque ali, estariam no meio do caminho entre um semáforo e outro. O cão percorre esse caminho sem parar. Depois a Mari falou nos mortos dela. E ficámos a segurar o choro e em silêncio. Pensámos nos nossos mortos, e eu pensei também no cachorro velho e lento com as pintas brancas, na Nadejda que decorou os poemas todos do marido. Trezentos poemas. Se eu escrevesse um só poema, muito muito bonito, quem o poderia decorar? Se alguém me lesse um poema muito muito importante, eu seria capaz de o memorizar? O semáforo ficou verde, e o homem atrás de mim buzina. Os homens buzinam muito mais que as mulheres, ainda assim, são elas que tem má fama. E elas decoram poemas por amor. E escrevem sobre os seus mortos. E frequentam cabarets aos nove anos. O cão senta-se. Arranco.
Como seria esse tapete?