A pergunta pela vida chega. Como é que eu sou filho do meu pai? Porque é que tu és minha mãe? POrque é que eu, sou eu? Como é que as galinhas sabem que os filhos são pintainhos? Porque é que a minha avó é tua mãe? E se o Lucas não fosse meu primo, o que ele era?
E investigas.
Mas a vida vem com seu contraponto, disposta a não ser nunca mais a mesma. O que é morrer?O que é matar? Porque o avô Luciano estava doente? Mais doente do que quando me doeram os ouvidos? O que é que ele tinha? E onde ele está agora? Se eu lhe telefonar, ele acorda? Ele está desmaiado? Se eu puxar a pálpebra dele, o que acontece, ele acorda? Mas tens uma foto? Eu quero ver.
(a morte…para quê ver a morte?)
Ainda assim nenhum de nós sabe bem o que responder. Um bicho chamado cancro que estraga o corpo, estar como a dormir, a descansar, já não respirar, agora já está, mas podemos sempre nos lembrar, ele teve uma vida cheia.
Faltou eu lhe dizer uma coisa, liga-lhe que faltou eu lhe dizer uma coisa.
O quê filho?
Que pena que vás morrer avô Luciano.
Ele sabe filho, ele sabe que tu tens pena.
Como?
Essas coisas sentem-se.
Ah.
Insiste, quer ligar-lhe. E o teu pai? O meu está vivo. Então porque estás triste? Tenho pena que ele morra, o teu abuelo. Ah. E eu ? Tu também. Eu também estou triste? Sim tu também. Vou ter tantas saudades tuas. Minhas? Quando morreres.
(Quando eu morrer…Um dia. É verdade.)
Tu vais morrer mamã?
Um dia, mas não penses nisso.
e o que vai acontecer comigo?
(não somos todos, crianças afinal, esperando que os nossos pais saibam as razões de tudo, e por saber a razão, e a origem, talvez a origem, parem as coisas que não queremos, parem a morte, a tristeza, a doença? E quando eles são víctimas dessas coisas, como lhes perdoamos a sua falibilidade, a sua pior falha, a de serem afinal tão de carne e osso como as carnes e ossos? )
Vais ficar bem, não te preocupes.
Como é que tu sabes?
Não sei, imagino.
E o avô Luciano, dizemos avô Luciano ou dizemos o que morreu?
Dizemos avô Luciano, porque quem ele é não se resume a como ele está.
E onde é que ele está?
Em casa dele.
E se eu lhe abrir o olho?
(O olho dele é de cinza, o olho mais azul, mais curioso, franzido em correções, deleitado em coentro, o olho dele é de cinza)
Não acontece nada.
Ele está me a ver?
Não.
Como é que sabes?
Não sei…
Só sei que faltou dizer, que pena, que pena que morras.