No ecrã o mundo avança devagar,
ao longe,
uma fina capa sobre a crosta do mundo.
Uma dobra, dourada.
O mundo está fechado,
duas vezes,
trancado.
Dizemos: deita fora, e ele,
duas vezes,
fechado, deita.
Há quem diga que ele é quadrado e aí começa,
o fim.
Gosto de poemas. E de alguns poetas.
Gosto da Julia de Carvalho Hansen. Muito. E não sei explicar porquê. Gosta da Adília Lopes, e sei explicar.
Porquê.
Gosto da Filipa Leal, da Marília Garcia, da Carla Kinzo.
A Carla no insta, uma foto de alguém, diz que no pantanal um macaco chora.
Porquê.
Arde tudo, e o macaco chora porque o mundo acaba.
O dele, o nosso, os poemas.
Porquê.
Nunca sei se sei escrever poemas,
como elas.
Mas choro, como o macaco,
a minha casa também está em chamas,
a beterraba queimou a panela, enquanto olhava o ecrã,
duas vezes fechado,
o mundo estava melhor.
Porquê.
Pela janela, a minha, sai o fumo da beterraba esquecida,
cheira a gasóleo dos aviões,
o dinheiro não para,
vai e vem no céu,
na terra uma coisa morta mata pessoas,
uma coisa morta pequena,
dissolve-se com sabão.
As pessoas choram porque não há sabão que chegue.
Porquê.
E água que chegue.
Os macacos sabem,
o porquê,
ainda importa?
e choram.