Não se perguntara jamais, nada, sobre essa árvore. A árvore bem em frente à sua janela. Não se perguntara, jamais, sobre como teria ali nascido, abelha, caroço, jardineiro municipal. E ela estivera sempre ali. Crescera com ele, espiando-o de mansinho pelo olho húmido em que se escorriam sujeiras de varanda, isso no tempo, em que se desaguavam intimidades sobre a rua. Atenção, não repetir. Depois espreitara sobre o metal fino de segurança. Algum arquitecto preocupado o desenhara para que nenhuma cabeça gateadora procurasse céu. Rápido, ele e ela, cresciam para o topo, uma velha ideia, de um velho tempo, em que haveria topo, e o topo era alcançado. O topo era o emprego, a casa, a mulher redondinha e dócil, os filhos de cabelos cacheados, o crucifixo sobre a cama, e quem sabe, um carro onde os levar a ver o mar. Para ela, era de outra forma, o topo era questão de força, até onde sustentaria o braço, até onde chegaria a última folha, sem que se rompesse em lenha. Não se perguntara jamais sobre essa árvore. Salpicara-a de xixi de cão, de água e sabão em disparos canículares, de cinza de cigarros clandestinos, de folhas rasgadas da revista do tio do João do prédio ao lado, mais tarde de charutos abaunilhados. Não se perguntara jamais sobre essa árvore.